sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Bola Àparte

"Cinema Puro"


Prometi a semana passada continuar no tema do cinema asiático se nada de mais excitante acontecesse. E ao que parece a resposta do nosso Procurador Geral da República à escalada do crime violento em Portugal resultou em cheio. Os nossos pulhas, escroques, malandros e celerados de todos os tipos fecharam-se em casa com medo do novo Secretário de Estado da Segurança Interna (até o título comanda respeito, assim num estilo vagamente Estado Novo). Saí sem receios pessoas de bem, uma nova era de paz e concórdia se anuncia. It´s gonna be a bright sun-shiny day!

Mas passemos ao prato forte desta noite: Takashi Miike, a.k.a. “the agitator”. Começa a ser mais notado desde que o geek supremo, Quentin Tarantino, elevou o cinema de género oriental a referência cultural indispensável. O espectador médio talvez o conheça como o realizador do grudge movie “One missed call”. Este cineasta acidental - a sua paixão primordial seriam as dirt bikes - entrou para a escola de cinema de Shohei Imamura, do qual seria mais tarde assistente, por falta de propostas mais apelativas. Até hoje já assinou cerca de 70 títulos (podemos falar de bulimia fílmica: realiza em média 5 filmes por ano), que atravessam todos os géneros rigidamente codificados pela produção cinematográfica japonesa. Rapidamente incorporou a imagem de cineasta-limite, radical e iconoclasta, um transgressor que consegue introduzir os elementos mais bizarros num filme de género bem definido. Mas não são gratuitas as suas provocações, e o conteúdo adulto e ultra-violento de muitos dos seus filmes é apenas compreensível como escape catártico na rígida sociedade japonesa.

Entrou pela porta do “V-cinema” (“V” de vídeo, claro): filmes de género, realizados com rapidez e em low-budget, o que lhe dá liberdade de experimentar dentro dos parâmetros exigidos pela encomenda. É neste “laboratório formal” que reside o fascínio obscuro pelo cinema de Miike: experimentação nas fronteiras da codificação dos géneros. Mas sem nunca perder as referências morais: mesmo no mais contemporâneo niilismo, há sempre um velho código de honra que permite uma noção clara do certo e errado. É este o paradigma do Japão contemporâneo: o respeito pela tradição milenar e o apelo do progresso tecnológico, cultural e económico. A eterna dança entre o passado e futuro, que a loucura surrealista deste agent provocateur tão bem materializa.

Como entrar na obra deste cineasta, perguntam vocês? Sugiro “Audition” de 1999: um arrepiante conto de amor e obsessão, em que o clima de crescente tensão surda culmina numa demente apoteose de cruel tortura física. “Visitor Q”, feito em 2001 por uma ninharia, é um exercício que mistura o sentimental e o grotesco, em que a cena mais aberrante convida à mais profunda das reflexões sociais. Ácido retrato de uma família destruída, que se reencontra através de um estranho processo envolvendo violência, drogas, incesto, necrofilia e um misterioso visitante que se faz convidado. Eu comparo, sem medo, esta obra a objectos incontornáveis como “Teorema” de Pasolini e “Weekend” de Godard. E o mais visto e aclamado “Ichi the Killer”, também de 2001, é a adaptação do manga sanguinolento de Hideo Yamamoto. Mais recente é o “Sukiyaki western: Django” em que adapta esta personagem clássica do “western spaghetti” ao Japão (daí Sukiyaki western, percebem? Sukiyaki é um prato de massa à japonesa!).

Nas palavras de Hitchcock “acredito no cinema puro”, e se isto não o é não sei o que será. Vejam que vale a pena! Mais indicado para thrillseekers.


Por: Francisco Adão

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