sábado, 11 de outubro de 2008

Bola Aparte

Cultura em Portugal: peça de museu?


Apetecia-me, porventura, juntar-me às hordas ululantes que debatem a legitimidade do casamento homossexual naquilo que ainda consideram um Estado de Direito, e talvez o seja. Que sei eu dessas coisas? Sei que neste contexto é fácil e divertido para os nossos iluminati tolerantes e idealistas, darem largas ao seu amor pela liberdade numa teia interminável de lírica, frequentemente aborrecida. Portanto deixo esses bravos paladinos pelejarem por uma sociedade um pouco mais justa nesta linguazita de terra, uma que reconheça ao ser humano o direito básico de amar, e fazê-lo pública e legalmente. Eles que chacinem com as suas penas o dragão da ditadura da decência. Eu vou falar de outra coisa. Isso é o tipo de blogger porreiro que eu sou!

O estado dos museus em Portugal! Discussão prosaica e talvez impertinente, com tantas agulhinhas a ameaçar de todos os lados a frágil bolhinha social lusitana? Eu acho que não! Acredito que a crise que atravessam os nossos museus – porque sim, como tudo o resto aparentemente, também estão em crise – empobrece as nossas vidas numa míriade de maneiras imperceptíveis e agudiza o mal-estar geral.

Analisemos superficialmente esta situação! Que é que se passa com os museus em Portugal? Nós temos museus! Sabemos isso. Temos arte e património e portanto temos museus, e frequentemente ricos em espólio e adequadamente geridos. Também temos vontade de os visitar e entregarmo-nos ao pouco ócio intelectual que a nossa vida de formiguinha trabalhadora nos permite. Então porque é que os museus não nos parecem assim tão acessíveis? Qual é o problema?

Bah! Por onde começar? Vimos esta semana um destaque no Público sobre as dificuldades declaradas de umas quatro dezenas de museus, obrigados a fechar salas ou a não funcionar durante dois ou três dias por semana, devido a uma debilidade orçamental que não lhes permite pagar ao pessoal da vigilância e manutenção. Para além das carências em efectivos com qualificação técnica. Mas a questão da prática museológica em Portugal tem vindo, pelo menos desde o início do século passado (beneficiando muito pouco da República), a reflectir cristalinamente o nosso periferismo e atraso atávico.

A incipiência dos hábitos culturais do povo português é uma realidade. Temos pouco hábito de ir a museus e o poder de compra progressivamente reduzido, num país que ainda se debate com um problema de analfabetismo, gera uma situação social muito pouco conducente à fruição cultural, bem entendido. Mas isto é pálida explicação e não passa senão de um sintoma de um mal maior, de um cancro com metástases bem entranhadas na nossa sociedade.
Culpemos o governo, sim! Governos! Todos sistematicamente incapazes de apresentar uma política cultural integrada e sustentável, capaz de combater a indolência cultural e utilizar a cultura como o instrumento económico-social precioso e benéfico que sempre foi. Porquê apontar o dedo a toda uma sociedade civil quando é quase unânime a permanência de um problema de elites, como factor de crise e estagnação, ao longo de toda a história portuguesa.

O que temos, entre a falta de clarividência da nossa classe política e uma certa crise de subdesenvolvimento social e participação cívica, é uma política cultural fragmentada, pouco esclarecida, e muitas vezes paroquiana e centrada no próprio umbigo. Não vemos estabelecidos qualquer tipo de planos a médio ou a longo prazo, para o crescimento e promoção da acessibilidade das nossas instituições culturais. Na ausência de uma verdadeira política museológica, preferiu-se a realização de “eventos” de grande visibilidade, sempre efémeros e com magros frutos para o futuro. É a utilização da cultura pelo poder, em acções pontuais, ostentosas e caras, no sentido óbvio da auto-promoção. E corta-se a fita e descansa-se depois de um trabalho bem feito. Ridículo.

Deste governo não me irei sequer pronunciar. Se enveredo por aí acabo a destilar ódio de maneira pior que aquele olho maligno do Senhor dos Anéis. A verdade é que não vimos um esboço de intervenção neste sector que não fosse no sentido de o estrangular. E a negociação pelo destino da colecção Berardo só demonstrou a absoluta impotência deste Ministério da Cultura em fazer algo pelos portugueses neste sector tão importante das suas vidas.


Por: Francisco Adão

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