sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Bola Àparte

"Vida inteligente do outro lado?"
Yazujiro Ozu

Porquê falar de cinema oriental quando podia perfeitamente falar da sequela daquele filme que veio daquela BD? Vocês sabem qual é! Esse mesmo! Resposta simples: porque no cinema, como em quase tudo, o Oriente é o futuro. Um território vivo e fascinante, pleno de fantasia onírica, densidade sociológica e sim, de ultra-violência. E não se vê cinema oriental suficiente aqui. Passou de algo muito apreciado – quando durante a ditadura, o criar de uma cultura cinematográfica era uma forma de libertação – para uma curiosidade seguida de perto pelas tribos geek e, menos de perto, pelos velhos cinéfilos, já esmagados pela intensa profusão de novos, frequentemente bizarros, fenómenos cinematográficos. Enunciemos alguns, porque há filmes destes que precisam de ser vistos, pela pura qualidade, mas outros são entretenimento bem mais intenso do que hollywood nos tem para oferecer.

Da Coreia do Sul saem os vibrantes périplos de vingança de Park Chan-Wook (ele realizou Oldboy, que Tarantino declarou vencedor em Cannes em 2004) os intensos e silenciosos dramas de Kim Ki-Duk, e muito mais. De Taiwan, para além das obras de Eward Yang e Hou Hsiao-Hsien, chegam as introspecções fantasmagóricas e contemplativas de Tsai Ming-Liang. E de Wong Kar-Wai vou apenas dizer que é dos poucos capazes de fazer humedecer estes velhos e cínicos olhos.

Mas concentremo-nos no Japão. Aqui, a partir da década de 80, vemos desvanecer-se a presença dos grandes mestres. Quem não conhece nomes como Yasujiro Ozu, Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi, Nagisa Oshima e até Shohei Imamura, também não será aqui que o fará. Mas deixem-me asseverar que aqueles de vocês que não viram filmes como Tokyo Story, Rashomon, Contos da Lua Vaga, Merry Christhmas Mr. Lawrence, etc., precisam urgentemente de reavaliar as vossas prioridades.

Já em 90, a projecção ocidental do cinema japonês contemporâneo, quase se resume ao caso paradigmático de Takeshi Kitano (ou “beat Takeshi”, a faceta cómica que mostra nas suas regulares aparições na televisão nipónica). Reconhecido, fora do Japão, como voz autoral, logo se afirmou com os seus primeiros três filmes: Violent Cop, Boiling Point e Sonatine. Aqui vemos o típico durão, solitário e lacónico, que tanto pode ser polícia ou ladrão, mover-se entre peripécias que misturam a comédia burlesca, de exagero e repetição, com a mais cruel das violências. Ele diria ser tudo uma questão de perspectiva. Na segunda metade da sua carreira, a partir de 96, fará filmes mais pungentes e pessoais, como: Kids Return, Dolls, Hana-bi e Brother. Aqui vemos um Kitano mais abertamente sentimental, procurando a beleza e a quietude em composições de plano mais cuidadas e estruturas narrativas arquitecturais.

Tirando o caso de Kitano, o Japão é apenas notado, ao sair dos anos 90, através dos animes de Hayao Miyazaki (aquele da Viagem de Chihiro), Katsuhiro Otomo e o seu magnífico Akira, Mamuro Oshii (Ghost in the Shell e Avalon) e o ocasional apontamento de Shinya Tsukamoto, realizador do clássico ciberpunk Tetsuo.

Faz tanta falta uma publicação decente de cinema em Portugal. É como ter uma constante avitaminose cultural.

Continuarei no tema para a próxima crónica, a não ser que alguma coisa de mais interessante se interponha, tipo... sei lá, um alto assalto a uma carrinha blindada com capuzes e explosivos e perseguições. Mas bem sucedido que nestes tempos difíceis todos precisamos de um bocadinho de esperança.


Por: Francisco Adão

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